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Forjar significado

Photo of contemplative woman with Afro hairstyle, wears round spectacles, casual warm sweater, thinks about something while sits at desktop, drink coffee, poses near window indoor. Work concept

Marco Antonio Spinelli

Andrew Solomon é um psicólogo, jornalista e escritor americano que escreveu livros hoje clássicos, como “O Demônio do Meio Dia” e “Longe da Árvore”. Sobre esses livros tem vídeos de TED Talks excepcionais desse autor, no Youtube. O meu preferido é “Como os piores momentos de nossa vida nos tornam quem somos”. Andrew conta a história de uma festa de um menino de sua classe, no segundo ano do antigamente chamado de Primário, chamado Bobby, que convidou toda a classe para sua festa de aniversário, menos o menino Andrew. A sua mãe achou que se tratava de um engano, e ligou para a mãe de Bobby, que sem muitas delongas afirmou que seu filho não gostava de Andrew e não quis convidá-lo. Ele era um menino frágil, tímido e afeminado (que demorou décadas para assumir sua evidente homossexualidade), que atraiu toda forma de bullying e exposição ao ridículo durante todos os anos de sua escola. Para sobreviver a esses anos, Andrew teve uma mistura de resiliência e evasão, segundo suas palavras, e ter sido capaz de atravessar esse período e seu isolamento, começou a criar a sua própria identidade. Citando uma passagem de seu livro, ele descreveu uma entrevista com uma família que tinha filhos com severas deficiências. A mãe falou que seus filhos não tinham sido destinados, como outras crianças, a representar uma benção para seus pais. Eles que optaram por atribuir o significado a essa experiência, e transformar fardo em benção.

Essa é a ideia fundamental dessa palestra, que eu observo todo dia em minha prática clínica: temos perdas e experiências dolorosas em nossa vida. Não encontramos o significado delas em alguma jornada mística ou na fala de terapeutas. Atribuir significado ao sofrimento e suportá-lo é uma decisão e uma prática. Isso demanda muita coragem. E muita fé na vida. Muita gente pode passar o resto da vida presos no não sentido e no absurdo. Andrew Solomon repete o significado não é algo que se encontra por aí. É preciso Forjar Significado e Construir Identidade. Assim ele forjou sua identidade de um autor que dá voz a pessoas que enfrentam sofrimentos maiores do que ele sofreu, com abusos, agressões e perdas que podem fazer alguém desistir da vida, mas essas pessoas escolhem enfrentar e forjar significado diante do absurdo.

Victor Frankl foi um psiquiatra austríaco judeu que foi mandado para campos de concentração nazista e sobreviveu a condições impossíveis até o final da guerra. Ele optou por tolerar o sofrimento e forjar um significado para ele. Ele conseguiu essa façanha compreendendo e ouvindo os agressores nazistas e os prisioneiros do campo de concentração. Viu homens se comportando como porcos, e outros caminhando altivos para a morte, louvando a Deus e seu destino. Quando acabou a guerra e foi liberto, Victor Frankl criou a Logosofia, e passou o resto de sua vida ajudando pacientes e colegas a encontrar um sentido para sua vida e desenvolvimento. Morreu com noventa e dois anos.

Convido você, leitor e leitora desse texto, a lembrar das piores coisas que aconteceram em sua vida, aquelas que pareciam impossíveis de superar. Imagine como essas dificuldades foram talhando sua personalidade e empurrando seu desenvolvimento. Como foi difícil passar por isso e como as saídas foram surgindo onde não tinha saída.

No seu aniversário de cinquenta anos, Andrew Solomon celebrou as bençãos se sua vida: encontrou o companheiro de sua vida, teve sucesso profissional, adotaram um menino. No seu aniversário, o garoto pediu para fazer um discurso. Seu companheiro falou: “George, você não pode fazer um discurso. Você tem quatro anos”. Mas George tanto insistiu que acabou recebendo a palavra, e agradeceu a presença de todos, a alegria do bolo e se voltou a seu pai para falar: “Pai, se você fosse pequeno, eu ia querer ser seu amigo”. No final, Andrew pôde ser grato a todas as dificuldades que atravessou, que forjaram significado e construíram sua identidade. E lhe deu amigos que nunca vão deixá-lo fora da festa. 

Sobre o autor

Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro Stress – o coelho de Alice tem sempre muita pressa

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